sábado, 27 de fevereiro de 2010

Exemplo de simplicidade e fidelidade

Ele não se importava com convenções sociais, estava sempre à vontade em qualquer lugar, com qualquer pessoa. Sua simplicidade e falta de cerimônia às vezes deixavam pessoas constrangidas.

Conheci Walmir Bastos Ribeiro quando cursava a 7ª série no Ginásio Estadual de Anápolis, que funcionava no prédio do Antesina Santana. Estávamos na sala de aula, quando o professor Heli Alves Ferreira, diretor do ginásio, adentrou o recinto trazendo em sua companhia um jovem bem magrinho, bigode bem ralo, trajando terno de linho branco e gravata borboleta:

– Apresento a vocês um novo colega! É Walmir Bastos, baiano de Jequié.

Na verdade, o Walmir sempre dizia que era de Jequié, terra em que estudou o primário. Ele era mesmo de Brotas de Macaúbas. Isso pouco importa, porque ficou conhecido na sala de aula, e em toda a cidade de Anápolis, como “Baiano”.

Walmir Bastos Ribeiro, muito político, gostava de Vieira de Melo. Realçava as virtudes de Vieira em todos os seus discursos. Da mesma classe participava Jayro Rodrigues da Silveira, que posteriormente casou-se com a Onara, irmã da Onaide.

Sem ter nenhum parente em Anápolis, Walmir Bastos ficou nosso amigo e passou a freqüentar nossa casa, localizada à Rua Rui Barbosa, 420. Além de amigo, tornou-se nosso companheiro político até que a morte o levou, no dia 17 de julho de 1994. Desfrutei durante trinta e sete anos do seu companheirismo e amizade. Era para mim e Onaide como um irmão. Nunca fraquejou nas atitudes políticas, tendo sido preso várias vezes pelas forças da repressão.

No leito do Hospital Evangélico Goiano, já no final da sua vida, recebeu Irapuan Costa Jr., que veio a Anápolis exclusivamente para visitá-lo. Na base da brincadeira, para falar de política, que era o assunto único de que Walmir gostava, Irapuan perguntou:

– Walmir, e agora, como você vai votar? O Adhemar é seu amigo, mas eu também sou. Nós disputamos uma cadeira de Deputado Federal...

Antes mesmo que o ex-governador terminasse sua indagação, sonolento pela medicação que acabara de tomar, respondeu sem rodeios:

– Voto no Adhemar!

Walmir foi protagonista de fatos curiosos e interessantes durante toda a sua vida. Assim que chegou ao Ginásio Estadual, participando de aula de história das Américas, ministrada pelo professor Jóca, foi chamado pelo professor ao quadro negro. Jóca passou a ditar compassadamente a dissertação sobre os Maias. Walmir que não tinha caligrafia boa fez seus garranchos, que só ele mesmo entendia. Começou a frase mais ou menos pelo meio do quadro, subindo em direção à extremidade. Em seguida iniciou a segunda linha, descendo até o canto de baixo do quadro negro, Com duas linhas, indecifráveis, Walmir tomou conta inteiramente do espaço. De costas para o redator da sua famosa dissertação sobre os Maias, Jóca, percebendo a gargalhada de toda classe, virou-se para trás e descobriu o motivo de tanta alegria dos alunos:

– Senhor Walmir, eu pedi para que escrevesse uma dissertação! Não solicitei que desenhasse um funil.

Logo começou sua atividade político partidária no PSD e pela sua fidelidade e extrema lealdade, Plínio Jayme, Deputado Estadual pelo PSD na época, conseguiu do Governador José Feliciano Ferreira um contrato para que Walmir Bastos prestasse serviço na COTELGO – Companhia de Telecomunicação de Goiás. Seu trabalho era receber reclamações dos usuários, anotando o que ouvia. Mas Walmir resolveu ir além, foi à área de equipamentos para tentar resolver problemas que recebia nas reclamações. Num único dia, o “Baiano” provocou pane no sistema da COTELGO, dando trabalho para os técnicos por uns quinze dias, até conseguirem consertar o estrago.

Plínio Jayme achou melhor deslocá-lo à disposição das Centrais Elétricas de Goiás – CELG, como entregador dos talões de consumo de energia. Sob sua responsabilidade estava o setor central da cidade. Walmir conhecia quase toda a população desse setor. Chegando à Rua 7 de Setembro, entrou pelo corredor da casa do amigo, indo até a cozinha. Ao chegar, sem ninguém para recebê-lo, sentou-se, tomou café, comeu pão de queijo e leu o jornal que estava sobre a mesa, deixado pelo amigo que minutos antes partira para o trabalho. Quando a dona da casa, esposa do seu conhecido, chegou e se deparou com aquele homem na sua cozinha, e ela de trajes íntimos, à vontade em casa, entrou em desespero:

– Estão assaltando minha casa. Socorro, socorro, socorro! Tem gente estranha na minha casa, socorro gente...

Atônito, desesperado, sem saber onde estava o erro, Walmir saiu rapidamente. Sua indiscrição correu por toda a cidade, ainda pequena, onde todos se conheciam. Não houve jeito, o “Baiano” teve que ser dispensado. Outras tentativas foram feitas para conseguir um emprego para o Walmir se sustentar e todas frustrantes. Só deu certo quando os comandantes da campanha pró Mauro Borges, candidato ao Governo de Goiás, o contrataram para trabalhar no comitê de Mauro e demais candidatos do PSD, na Praça do Bom Jesus. Descobriu-se que sua vocação era para a política. Encontraram sua vocação ao indicá-lo para trabalhar no comitê.

Falta de cerimônia era com ele mesmo. Numa tarde, já quase noite, foi visitar o presidente da União Independente dos Estudantes Anapolinos – UIEA, em sua residência. Ao chegar, encontrou a mesa posta para o jantar. Muito educada a mãe do Abel Pires, o presidente, convidou Walmir, gentilmente, para jantar. Walmir nem esperou o anfitrião sair do banho. Sentou-se à mesa e se serviu à vontade. Comia muito e depressa. Abel saiu do banheiro e foi logo abraçando Walmir. Terminado o cumprimento, sentou-se à mesa e iniciou sua refeição:

– Walmir, vamos jantar?

Walmir, bom de garfo, pegou o prato que usara anteriormente e jantou novamente.

Quando os vereadores do MDB Lincoln Xavier Nunes, João Divino Cremonez e Pedro Sérgio Sobrinho se aliaram à bancada arenista, em oposição ao prefeito Henrique Santillo, em 1971, Walmir Bastos, já vereador, que havia me apoiado a Deputado Estadual e Fernando Cunha Jr. a Deputado Federal, foi convidado a participar de almoço na residência do Fernando Cunha. A intenção era convencer Walmir a ficar contra o Prefeito Henrique Santillo, com quem o grupo liderado por Fernando Cunha Jr., havia rompido. Depois de se alimentar bem com um banquete especial, regado a whisky importado, sua bebida preferida, foi apresentado ao Walmir um documento para que assinasse. Era o manifesto do grupo que rompera com Henrique Santillo e queria o apoio do Walmir como vereador. Visivelmente tonto, embriagado, distante da sua sobriedade normal, acabou de ler o manifesto, devolvendo-o sem assinar:

– Não faço o jogo da ditadura. Sou Henrique Santillo.

Quando chegou a Anápolis, Walmir foi morar na Pensão Bom Jesus, onde alugou um pequeno quarto por décadas. Além da roupa do corpo, trouxe na mala de tamanho médio, revestida de papelão, apenas outros pares de roupas vindas da Bahia. Quando faleceu, Onaide foi até a residência do Hildeu, onde Walmir recebia os cuidados dele e de sua esposa Leninha, encontrando no guarda-roupa do seu quarto apenas um terno, uma camisa e uma gravata, roupa com a qual foi sepultado. Até a mala com que veio para Anápolis desapareceu, consumida pelo tempo.

Depois de 37 anos em Anápolis, ocupando uma cadeira de vereador na Câmara Municipal por sete mandatos consecutivos, Walmir Bastos Ribeiro, deixou muita saudade para os que, como nós, desfrutamos da sua amizade.

Walmir foi exemplo de coerência, honradez e fidelidade aos amigos.

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