sábado, 27 de fevereiro de 2010

Prisão, IPM e Monsenhor Pitaluga

– A denúncia que temos é que o senhor quase matou o padre com seus insultos e ousadia.

– Chame o Monsenhor Pitaluga. Vamos ficar frente a frente para ver se ele confirma a denúncia! Sugeri, num desafio.

O major pegou o telefone e entrou em contato com Pitaluga que se encontrava na Catedral do Bom Jesus, em Anápolis.

Este diálogo com acusações estranhas e totalmente infundadas aconteceu num depoimento que prestei num IPM – Inquérito Policial Militar, que tinha a finalidade de averiguar as atividades subversivas e infiltração comunista na região.

Mesmo sem processo formal, fui impedido de trabalhar no rádio, até mesmo na área esportiva, mas ainda assim continuei minha função de relações públicas da administração Jonas Duarte, na Prefeitura Municipal.

Neste período fui abordado por agentes da Policia Civil do estado, que cumprindo determinação do cel. Izacir Teles, foram até minha casa levando-me preso à Secretaria de Segurança Pública, em Goiânia. A mesma determinação foi dada contra o médico Fuad Siade.

Ao chegarmos a Goiânia já estava encerrado o expediente. Fomos levados à presença do delegado Ulisses Vento, nosso conhecido de Anápolis, que sabia das nossas atividades tanto profissionais quanto estudantis:

– Adhemar, isso é coisa de adversário político! Não há nenhum tipo de denúncia de subversão contra você ou o Dr. Fuad Siade.

– E aí, Dr. Ulisses, qual será o seu procedimento?

– Normalmente, deveria mantê-los encarcerados até que fossem tomados os depoimentos, mas vocês vão para Anápolis e amanhã bem cedo vocês retornam para o depoimento.

Assim procedemos. No dia seguinte, o delegado Ulisses Vento chamou o escrivão improvisado para ocasiões como essa, no nosso caso o presidiário Nabor Fasam, determinando que colhesse nosso depoimento, com nossas espontâneas declarações. Feitos os depoimentos, devidamente assinados, retornamos à Anápolis. Nunca mais fomos procurados e nunca soubemos que fim foi dado ao inquérito.

Na mesma ocasião, chegaram a Anápolis três oficiais do Exército, com a finalidade de instaurar Inquérito Policial Militar – IPM sobre atividades subversivas e infiltração comunista na região. Quando me intimaram para depoimento nas dependências do Clube Recreativo Anapolino – CRA, a primeira pergunta que fizeram após a identificação foi:

– O que levou o senhor a escrever no jornal O Líder, do Grêmio Literário Castro Alves, o editorial ‘Rússia e Cuba, dois exemplos’?

O Grêmio Literário Castro Alves, do colégio estadual José Ludovico de Almeida, do qual havia sido presidente, editava mensalmente um jornal, abordando assuntos da atualidade. Seu diretor, estudante Gedeon Epaminondas de Camargo Neto, apenas dava seu nome ao periódico. O principal articulista sempre foi o Romualdo Santillo. Na edição referida narrava o avanço social tanto na Rússia quanto em Cuba. Como não possuíam exemplar do jornal em mãos, respondi:

– Nele falei sobre a beleza da democracia. Mesmo a melhoria na condição de vida para os mais pobres e abandonados não substituía a virtude de ser livre. É dever lutar contra injustiças sociais, com melhor distribuição de riquezas e rendas, mas com democracia, com liberdade.

– Vamos então convocar o Gedeon Camargo.

– Não há necessidade, o autor do artigo sou eu. Assumo toda e qualquer responsabilidade sobre seu conteúdo e sua publicação!

Gedeon não foi chamado e não se falou mais na questão.

Depois de muita fofoca e denúncias vazias, o major presidente do IPM, lançou a pergunta final:

– No dia 31 de março o senhor invadiu a Igreja do Bom Jesus, soltando foguetes em seu interior e agrediu com insultos desaforados, Monsenhor Pitaluga?

– Não é verdade...

– A denúncia que temos é que o senhor quase matou o padre com seus insultos e ousadia.

– Chame o Monsenhor Pitaluga. Vamos ficar frente a frente para ver se ele confirma a denúncia! Sugeri, num desafio.

O major pegou o telefone e entrou em contato com Pitaluga que se encontrava na Catedral do Bom Jesus:

– Monsenhor, Adhemar Santillo está aqui prestando depoimento no inquérito Policial Militar. Consta como sendo sua denúncia contra ele que dia 31 de março ele o desacatou e soltou foguetes dentro da igreja.

Feita a comunicação, o major ficou exatos cinco minutos ouvindo Monsenhor Pitaluga. A única expressão possível de entender era:

– Sim Monsenhor! Sim Monsenhor!

Encerrado o diálogo o major exaltado, exclamou:

– Povo fofoqueiro! Pitaluga disse que não aconteceu nada disso.

Encerrou o interrogatório e me passou o depoimento datilografado, para que fosse assinado.

Só depois de trinta anos é que tomei conhecimento do que foi registrado nos arquivos do SNI – Serviço Nacional de Informação:

“Foi indiciado em IPM em 1964, instaurado para apurar a infiltração comunista e a corrupção existente nas cidades de Goiânia e Anápolis, ambas de Goiás”.

No relatório do IPM foram registrados os seguintes dados sobre Adhemar Santillo:

“Líder estudantil, usa e abusa de sua capacidade de liderança para agitar sua classe. Acreditamos não ser comunista, porém é elemento com tendência esquerdista e deverá ser observado para o futuro.”

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