sábado, 27 de fevereiro de 2010

O homem que jantava demais

– O senhor acabou comigo em sua coluna de hoje no Jornal Correio Braziliense.

Foi com este desalento que o cel. Epitácio de Brito, secretário de Gabinete Militar de Ribas Jr., governador nomeado de Goiás, se dirigiu ao Romualdo Santillo.

Apenas noticiei um fato do conhecimento público em Goiás. Tudo que relatei foi a verdade dos fatos, respondeu Romualdo, que escrevia naquele jornal uma coluna diária.

O fato ocorreu por conta da queda do governador Mauro Borges, quando foi designado o general Meira Mattos como interventor do estado. Homem de poucos amigos e formação de caserna, não era dado a reuniões ou debates políticos. Ficou no governo tempo suficiente para que os ânimos serenassem. No dia da sua investidura, simpatizantes do Governador Mauro Borges queriam colocar barricadas na Praça Cívica para que fosse impedida a intervenção. Esse ambiente vinha de um sentimento de revolta contra a intromissão do Presidente Castelo Branco que afastava um governador desenvolvimentista e democrático.

Com a situação sob controle dos ditadores, pois Mauro passou a cuidar das suas atividades empresariais, foi escolhido o general Emilio Ribas Jr. para terminar o mandato. Ficou até o final de 1965, quando foi eleito governador Otavio Lage de Siqueira, pela coligação comandada pela UDN, derrotando Peixoto da Silveira, candidato do PSD.

Antes, porém, como o governador interventor general Ribas Jr. passava grande parte do tempo no Rio de Janeiro, seu secretário de Gabinete Militar, coronel Epitácio de Brito, era praticamente o governador.

O cel. Epitácio usava do poder de decisão e organizava esquemas políticos. Prefeitos, vereadores, lideranças interioranas, deputados estaduais e federais faziam romaria no Palácio das Esmeraldas. A todos Epitácio tratava com a maior consideração procurando atender e resolver as questões.

Em pouco tempo, sua figura prestativa e gentil nem de longe passava a impressão de ser militar de confiança da linha dura. Por ser militar e acessível, Epitácio de Brito se transformou na referência da UDN em Goiás. Os udenistas em jejum de poder a muito tempo, além dos adesistas fisiológicos, estavam maravilhados com o homem forte de Ribas Jr. Enquanto encantava as lideranças e correligionários, ia tomando gosto pelo poder. Nunca na sua carreira militar havia sido tão requisitado e admirado.

A UDN já começava a discutir seu candidato a governador para substituição de Ribas Jr. O Deputado Emival Caiado já havia anunciado disposição em disputar o cargo, porém polêmico, enfrentava a resistência dos mais novos. Epitácio sentiu que estava no momento de agir. Queria fazer política sem se expor em encontros regionais ou viagens pelo interior. Idealizou os contatos de forma mais social. Iniciou com pequenas confraternizações no Palácio.

À medida que o tempo passava foi aumentando a dose, reunindo duas e até três vezes por semana. Seus jantares, sem muito destaque pela imprensa goiana, estavam famosos entre os líderes udenistas. A habilidade do militar era cantada em prosa e verso. Ali estava a figura de que tanto precisavam para consolidar a UDN goiana.

Meu irmão, Romualdo Santillo, que além de redator do noticiário do rádio jornalismo da Rádio Carajá, escrevia diariamente para o Correio Braziliense, divulgando as coisas de Anápolis e do Estado. Sua coluna no jornal com o título “O que se comenta” se transformara em grande atração dos leitores brasilienses e goianos. Romualdo comentou a respeito dos jantares oferecidos pelo cel. Epitácio, sob o titulo: “O homem que jantava demais”.

Mal o jornal circulou, os políticos em Brasília se assanharam articulando órgãos do Governo Federal para combaterem a intromissão do militar que verdadeiramente administrava Goiás. Como furacão, os ditadores desautorizaram Epitácio, determinando que baixasse a guarda. Enquanto isso, Romualdo era preso em Anápolis, sem qualquer ordem judicial, levado para a cadeia pública da Rua 14 de julho.

À tarde do dia em que fora preso, Romualdo recebe a visita inesperada do cel. Epitácio de Brito, em plena sala em que se encontrava detido:

– O senhor é o jornalista Romualdo Santillo?

– Sim!

– O senhor acabou comigo, em sua coluna de hoje no Jornal Correio Braziliense.

– Apenas noticiei um fato do conhecimento público em Goiás. Tudo que relatei foi a verdade dos fatos.

– Eu padeço com úlcera gástrica. Como é que eu janto demais?

Notando que o cel. Epitácio não entendera a ironia da mensagem, Romualdo apenas esboçou um pequeno sorriso, enquanto o militar se retirava atônito, cabisbaixo por ter que suspender as recepções no Palácio, encerrando o sonho de governar Goiás.

Acionado pelo Deputado Estadual Ursulino Leão, da UDN anapolina, o Deputado Federal Alfredo Nasser, que passava por Anápolis, providenciou a libertação de Romualdo quando já ia noite adentro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário