sábado, 27 de fevereiro de 2010

Mais votado, sem diplomação

– O senhor não foi diplomado porque é fichado como comunista no G2 da Polícia Militar de Minas Gerais.

Esta foi a resposta que o Juiz Eleitoral deu ao Henrique a respeito de sua questão de ordem sobre a supressão do seu nome na chamada dos eleitos, durante o ato de diplomação dos vereadores para a Câmara Municipal de Anápolis.

Saímos da solenidade arrasados, inclusive tendo nosso pai Virginio sofrido um enfarte do miocárdio neste mesmo dia.

Até então a Câmara Municipal de Anápolis, que era composta por quinze vereadores, tinha representantes das grandes e tradicionais famílias da cidade, constituindo um grupo seleto de eleitorado cativo. Praticamente não havia espaço para novatos.

Distante da cidade por algum tempo, em virtude do curso de medicina em Belo Horizonte, Henrique retornou à Anápolis no início de 1964. A cidade crescia aceleradamente e sua ausência nestes anos o fazia desconhecido da grande população anapolina. Para dificultar ainda mais seu projeto de eleger-se vereador, nossa familia, a familia Santillo, era composta de sete pessoas: nossos pais, Henrique, sua esposa Sônia, eu e Onaide, e Romualdo, o irmão caçula aínda solteiro.

O quadro político em Goiás era formado pelo Governador Otávio Lage, eleito pela UDN e em Anápolis a coligação PSD-PTB elegeu o prefeito Raul Balduino e no pleito de 1966 seriam eleitos vereadores, deptados estaduais, federais e uma vaga para o Senado.

Para aquele pleito a única novidade que havia era a eleição com apenas dois partidos na disputa. Os aliados do Governador Otávio Lage se filiaram à Arena, Aliança Renovadora Nacional, enquanto Raul Balduino e seus companheiros se filiaram ao MDB, Movimento Democrático Brasileiro, que era o partido de oposição aos governos estadual e nacional.

Como geralmente acontece em cada pleito eleitoral, os políticos e jornalistas num esforço de imaginação faziam uma lista dos prováveis eleitos. Pelo MDB ninguém tinha dúvida que o partido faria a maioria dos vereadores da Câmara Municipal. Eram apontados Adão Mendes Ribeiro, representante do distrito de Campo Limpo, Homero Batista, representante de Souzânia, João Luiz de Oliveira, ex-prefeito, João Furtado de Mendonça, vereador de várias legislaturas, Laudo Puglisi, representante dos desportistas, Raimundo de Oliveira Lima, apoiado pela comunidade católica, além de Oscar Miotto, como prováveis eleitos.

Pela Arena, era dada como certa a eleição do médico Elias Abrão, proprietário do Hospital São Zacarias e pré-candidato da Arena à sucessão de Raul Balduino em l969, inclusive apontado como o vereador a ser eleito com a maior votação.

Neste quadro Henrique era tido, pelas lideranças do MDB, como um candidato a ser bem votado, mas sem grandes chances de ser eleito, pois dividia votos com Walmir Bastos Ribeiro, já bastante conhecido no meio estudantil de Anápolis.

Sem a preocupação com listas de prováveis eleitos elaboradas por vários grupos da cidade, fazíamos a campanha unidos em família. Romualdo trabalhando na Rádio Carajá, fazia sua parte como noticiarista e jornalista. Como narrador esportivo, presidente da Liga Anapolina de Desportos e com a ligação que mantinha com estudantes, aos quais representei como presidente da UESA, trabalhei incessantemente. Juntamente com meu pai, conceituado entre os trabalhadores braçais dos armazéns e os corretores de cereais, minha mãe com suas comadres e afilhados e o próprio Henrique como médico e professor do Colégio Estadual José Ludovico de Almeida, percorremos toda a cidade em busca de apoio à sua candidatura.

O pleito transcorreu normalmente e ao final da apuração dos votos a surpresa foi geral. As lideranças tradicionais não encontravam motivos que justificassem a vitória extraordinária do vereador mais votado, Henrique Santillo. Até mesmo o médico Elias Abrão que figurava como o mais votado nas listas prévias, foi superado por Henrique por mais de duzentos votos.

No dia marcado para a diplomação dos eleitos surgiram alguns boatos dando conta de que Henrique não seria diplomado como os demais.

A sessão foi à tarde no auditório do Fórum que funcionava na Praça do Bom Jesus. Companheiros e simpatizantes se acotovelavam na pequena sala para assistir a diplomação e prestigiar seus eleitos. As emissoras de rádio transmitiam ao vivo a solenidade. O juiz Manoel Luiz Alves, presidindo a solenidade, chamou o primeiro a receber o diploma, Elias Abrão, o segundo classificado no pleito. Em seguida diplomou todos os eleitos e os quatro primeiro suplentes de cada partido, sem citar o nome do Henrique.

Henrique, pedindo questão de ordem, alertou ao juiz sobre o equívoco que cometera não chamando seu nome para a diplomação. O juiz respondeu enfaticamente:

– O senhor não foi diplomado porque é fichado como comunista no G2 da polícia militar de Minas Gerais.

Dali mesmo fomos ao cartório eleitoral para conhecer o processo que ensejara a posição tomada pelo juiz. Descobrimos que se tratava de um calhamaço de papéis sem timbre, fazendo acusações incabíveis e mentirosas. Numa das citações, Henrique era tido como péssimo aluno, quando era sabido por todos que sempre foi o melhor aluno do seu curso. As denúncias falavam ainda de várias prisões que ele teria sofrido no estado de Minas Gerais, o que jamais havia acontecido.

Todas estas denúncias foram desmentidas, assim como a principal, a de que Henrique seria fichado como comunista no G2 da PM de Minas. Mas para que houvesse esta contestação e conseqüente esclarecimento, tive de entrar em ação imediatamente em busca das provas.

Acompanhado do amigo Amaral Montêz estive naquela repartição, G2 da PM de Belo Horizonte, e trouxe o documento oficial desmentindo o documento apócrifo utilizado pelo juiz Manoel Luiz Alves para negar a diplomação ao vereador eleito.

De posse dos documentos oficiais, contratamos o advogado defensor de presos políticos em Goiás, Dr. Rômulo Gonçalves, que recorreu da decisão do juiz eleitoral de Anápolis ao Tribunal Regional Eleitoral.

No dia do julgamento os nossos adversários ainda tentaram uma última cartada.

No momento em que o relator apresentava o seu voto, foi lhe entregue um telex expedido pela Governadoria de Minas Gerais diretamente do Palácio da Inconfidência em Belo Horizonte, para o Governador Otávio Lage. O governador mineiro, Israel Pinheiro Filho, afirmava não ter valor algum a certidão fornecida pela G2 da PM mineira, porque realmente Henrique Santillo era fichado naquela corporação como comunista.

O juiz federal, José de Jesus, integrante do TRE se manifestou contra o recebimento do telex por se tratar de correspondência de governador para governador e o documento jamais teria força para destruir uma prova constante de uma certidão com sinete da corporação, que inocentava inteiramente o médico Henrique Santillo.

Assim, o Tribunal Regional Eleitoral reformou a sentença do juiz de Anápolis, determinando a imediata diplomação de Henrique.

O juiz Manoel Luiz Alves negou-se a cumprir a decisão do TRE, tendo aquele Tribunal designado para diplomar em nome da Justiça Eleitoral goiana o juiz Syr Roriz, o que aconteceu alguns meses após a posse dos demais vereadores da Câmara Municipal de Anápolis, no ano de 1967.

Assim, somente em abril de 1967, toma posse de seu primeiro mandato eletivo Henrique Santillo, como vereador de Anápolis.

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