sábado, 27 de fevereiro de 2010

Vicente Alencar e o SNI

– Henrique, agora mesmo vamos chegar ao Cruzeiro. Quando pedir para estacionar, não olhe para trás por que estou em missão especial.

Com toda esta estratégia de segurança, Vicente Alencar queria garantir acesso a ligações importantes no Serviço Nacional de Informações – SNI, em Brasília, sobre boatos que corriam sobre cassações políticas em Anápolis.

Vicente Alencar, Procurador Geral do Município na administração de Henrique Santillo, era pau para toda obra. As investidas contra nós dos adversários, ainda não recuperados da derrota, eram permanentes e as formas as mais variadas possíveis. Pela maneira aberta e desenvolta com que Vicente Alencar falava das ações do Governo Federal, foi aos poucos sendo visto pelos companheiros, principalmente pelo prefeito Henrique, como ligado ao Serviço Nacional de Informações.

Ao lado de um outro emedebista, que também tinha intimidade com militares das três armas, João Abrão, advogado conhecido na cidade, passava horas e horas conversando sobre a evolução política e as táticas utilizadas pelo Serviço de Informações e por comandos militares, bem como sobre as manobras que viriam.

Assim, Vicente nunca manifestou contrariedade com os boatos que circulavam nos meios políticos municipais dando-o como integrante do SNI. Era por isso mesmo respeitado pelos adversários e respaldado pelos emedebistas.

A semana havia sido complicada com a boataria e o prefeito Henrique Santillo não teve condições de trabalho. Passou o tempo todo reunindo companheiros e imprensa para esvaziar os boatos disseminados pelos arenistas de que a intervenção federal em Anápolis era questão de dias.

Nos bastidores circulavam rumores de que o prefeito seria cassado nos primeiros dias da semana vindoura. Essa guerra de nervos estava tirando o sossego dos companheiros e angustiando Henrique que se sentia impotente para eliminar o mau agouro. Já admitia que qualquer que fosse o desfecho, que viesse logo. Não suportava mais tanta apreensão. Chamou Vicente Alencar em seu gabinete e conversou francamente:

– Vicente, sei que você, se não pertence, pelo menos tem bom relacionamento com o pessoal do SNI. Vá a Brasília e converse com seus contatos sobre se há alguma coisa de verdade nessa onda de boatos de que serei cassado. Só quero saber a verdade.

Alencar convidou para levá-lo a Brasília Henrique Alves Silva que além de emedebista era amigo dele e do prefeito. Saíram bem cedo. Às 9 horas já estavam circulando pela Praça dos Três Poderes. Passaram em frente a todos os ministérios. Da rodoviária, ao lado do conjunto Nacional, foram em direção ao Lago Norte. Retornaram até rodarem por toda W3-Sul. Passearam por toda Brasília, sem que Henrique Silva soubesse o que o companheiro estava planejando.

Assim que ingressaram na avenida principal do setor gráfico, Vicente falou:

– Henrique, agora mesmo vamos chegar ao Cruzeiro. Quando pedir para estacionar, não olhe para trás que estou em missão especial.

Cumprindo a determinação do companheiro de viagem, Henrique Silva ficou olhando pelo retrovisor instalado ao lado da porta esquerda do Landau, acompanhado os passos de Alencar. Chegou numa casa padrão do conjunto habitacional, bateu à porta, disse alguma coisa à senhora que o atendeu, agradeceu e voltou para o carro:

– Missão cumprida Silva, vamos retornar a Anápolis!

Dito isso o advogado, procurador da prefeitura, começou a dizer o que conversara com a mulher. Falou durante quase toda a viagem. Disse que os militares estavam em conflito, que a linha dura queria o fechamento do Congresso, que os mais liberais não admitiam retrocesso, que em Goiás os arenistas pressionavam para que Henrique Santillo fosse cassado. Dizia ainda que um acordo entre ditadores do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile, na chamada “Operação Condor” visava elaborar um plano de extermínio de adversários. Essa conversa rolou até chegarem à Alexânia. Foi um tempão onde Vicente Alencar não parava um segundo de falar. Não descansava nem para pensar o que falaria em seguida, passando de um tema para outro. Henrique Silva sufocado e abafado com as fantásticas histórias narradas por Alencar, aproveitou-se de uma pequena tomada de fôlego pelo companheiro de viagem, o interrompeu:

– Vicente, você pensa que sou otário? Você andou por Brasília inteira e só disse bom dia para a mulher daquela casa. Como criou essa fantasia em forma de história que está me contando?

Surpreendido pela reação do Henrique Silva, Vicente Alencar virou-se para seu lado, exclamando:

– Calma amigo! O Henrique Santillo pensa que sou do SNI. Não posso desapontá-lo.

Nunca saberemos o que Vicente Alencar disse ao Henrique Santillo sobre o suposto contato com o SNI em Brasília, só sabemos que o prefeito ficou mais calmo depois de ouvir o seu relatório.

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