sábado, 27 de fevereiro de 2010

Jair Sapateiro e o Cartório Eleitoral

– Meu título, que recebi ontem, está com a fotografia de outra pessoa.

No título eleitoral constavam dados pessoais e foto do eleitor. Mas como todo o processo de inscrição eleitoral era executado manualmente, aconteciam, por vezes, alguns erros. Era o que me dizia, indignado, o Jair, conhecido como Sapateiro, em Formoso.

Os simpatizantes do MDB de Estrela do Norte abriram as portas para o nosso trabalho político naquela região, conhecida como Médio Norte Goiano. Em quase todas as viagens eu contava com a companhia do advogado Vicente de Paula Alencar.

Uma das reivindicações da região era a criação da Liga de Futebol do Médio Norte. Um dos incentivadores da idéia, Ranulfo Batista Alcântara, posteriormente prefeito de Formoso, que na época secretariava o prefeito Manoel de Fátima, o Neném, em Santa Tereza. Depois de discutir com as lideranças políticas e esportivas locais, contei com apoio do presidente da Federação Goiana de Desportos, à época, Baltazar de Castro. Documentos em dia levei o Divino Gonçalves Pires para instalar e presidir a liga. Muitos campeonatos foram realizados dos quais pude assistir vários jogos, consolidando minha ligação com a região.

Por ser uma região de conflitos agrários, freqüentemente éramos chamados para mediar litígios envolvendo grileiros com posseiros, sendo estes últimos sempre expulsos das terras sem qualquer negociação. Num desses atritos, Jair Sapateiro, posseiro de pequena gleba de terras praticamente dentro da cidade de Formoso, após muitas tentativas, me pediu socorro, pois, juntamente com outros pequenos posseiros, estava sendo ameaçado por grileiros acobertados por fortes políticos da região e apoio policial.

Vicente Alencar e eu nos dirigimos para o local do conflito, nos reunindo com todos eles. Eram aproximadamente doze pequenos proprietários que estavam sob ameaça de um grande proprietário rural do sul de Goiás, que planejava iniciar seu latifúndio também em Formoso. Analisados os documentos, vimos que o tempo de posse de todos lhes garantia o direito da terra.

Depois de fazermos a vistoria no local, saímos pela principal avenida de Formoso, para dar demonstração à população do nosso apoio aos posseiros, que eles tinham defensores.

Visitamos algumas lideranças emergentes do MDB local e aproveitamos para conhecer figuras destacadas que não pertenciam a nenhum partido político, mas que haviam convivido com o grande líder dos trabalhadores rurais daquela região, José Porfírio. Ele era deputado estadual e foi preso pelo regime ditatorial. Libertado, nunca voltou à sua casa. Depois de sair da prisão, em Brasília, desapareceu e nunca mais foi encontrado. Sabe-se apenas que foi visto na rodoviária de Brasília, próximo ao conjunto Nacional, e de lá desapareceu sem deixar nenhuma outra informação.

Quando passávamos pelas proximidades do Fórum, onde estava o cartório eleitoral, Jair Sapateiro, um dos líderes do nosso partido, com ar de desprezo e indignação exclamou:

Ali naquela casa acontecem os maiores absurdos, apontando para o cartório eleitoral.

Que absurdos são esses Jair? Indaguei.

– Meu título mesmo, que recebi ontem, está com a fotografia de outra pessoa.

– Que é isso Jair? Seu título está com fotografia de outra pessoa?

Naquela época o título eleitoral trazia a foto 3x4 do eleitor.

– Sim! Falou Jair Sapateiro com mais indignação.

Chamei a atenção do Vicente Alencar para o caso. Contei sobre o título com a foto errada que o nosso líder acabara de relatar. Vicente rapidamente quis saber mais detalhes:

– Jair, mas o seu nome no título está certo, não é?

– Doutor, o pior de tudo é que nem o nome é o meu.

Dá para perceber que as dificuldades que enfrentamos eram de todos os níveis. O líder Jair Sapateiro recebeu título de outro eleitor e saiu propalando que o cartório era desorganizado, usando foto e nome de outra pessoa no título que jurava ser o seu.

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