sábado, 27 de fevereiro de 2010

Politização e Jornal Nacional

– Mas, Escobar, por que você não começou a reunião? Não havíamos combinado que eu estava em outra reunião, chegaria atrasado e você começaria a falar sobre o nosso trabalho político, sobre as nossas propostas?

O companheiro Escobar Cavalcante era um dos grandes colaboradores de nossas campanhas e estava sempre disposto a conduzir reuniões até que chegássemos.

Nossa tarefa de motivação política e ações de conscientização popular contra a ditadura foram persistentes e contínuas. Fosse período eleitoral ou não, lá estávamos promovendo reuniões domiciliares com 10 ou 20 participantes. Os encontros aconteciam nos mais diversos pontos da cidade. Geralmente neles o comparecimento era de quem realmente estava preocupado com os destinos do Brasil. Não tínhamos cargos para distribuir entre os presentes. Nem sequer podíamos prever quando é que a redemocratização aconteceria. Os que iam as reuniões acreditavam que a conscientização popular era fator primordial para sairmos da camisa da força em que estávamos submetidos. Fazíamos nossa parte, com destemor e amor à causa.

Para um dos nossos encontros políticos semanais, acertei com Dona Benedita, companheira dedicada e convicta, que com sua participação chegaríamos mais cedo ao fim da ditadura, reunião em sua casa, na Rua Floriano Peixoto, acima da Mauá. Como deveria participar de outra reunião na Vila Góis, pedi ao José Escobar Cavalcante, participante do grupo, que fosse à residência de Dona Benedita, enquanto eu falaria aos amigos da Vila Góis. Pedi-lhe que fosse conversando, debatendo com os participantes, até que eu chegasse para promover o encerramento.

Quando cheguei, encontrei Escobar e toda turma assistindo novela, olhos fixos na tela da televisão, sem nenhuma conversa. Desligaram o aparelho e fiz o que seria o encerramento. Só no instante em que me retirava fiquei sabendo que Escobar não havia falado nada na reunião. O convidei para me acompanhar e indaguei, porque não havia aberto os trabalhos.

– Quando cheguei, Dona Benedita me recebeu e disse que o pessoal estava todo lá, aguardando!

– Mais um motivo para que você não ficasse quieto assistindo TV!

– Claro. Acontece que depois de cumprimentar todos eles, eu disse: “Bem gente”... O senhor que estava na minha frente colocou o dedo indicador da mão direita sobre os lábios e fez: -“Psssssssssiu... Jornal Nacional!”

– A partir daí não tive coragem de interromper nem propaganda da Coca-Cola.

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