sábado, 27 de fevereiro de 2010

Carta a Orlando Geisel

– É oficial ou particular?

– Particular, respondemos.

– Podem entrar.

Foram várias vezes que este diálogo se deu. Estávamos, Vicente Alencar e eu, no Ministério do Exército para entregar uma carta ao Ministro sobre as prisões arbitrárias que aconteciam em Anápolis.

Depois de Henrique Santillo deixar a prefeitura, de José Batista Jr. ser cassado e a cidade de Anápolis ser transformada em Área de Segurança Nacional, sem direito de eleger o prefeito, uma ação arbitrária e violenta levou à prisão várias pessoas que haviam sido auxiliares de Henrique Santillo na Administração Municipal. Como acontecia na época, os órgãos de repressão não davam informações sobre o paradeiro dos companheiros presos, nem o motivo das prisões. Sabíamos que estavam confinados em alguma dependência de órgãos policiais em Goiânia. Não sabíamos se eram repartições públicas estaduais ou federais.

Decorridos dez dias de prisão arbitrária de companheiros como Jalme Fernandes, Valdivino Pereira, Bertolino Santana, Godofredo Sandoval Batista, Eles Nogueira e outros que estavam incomunicáveis, recebi a visita de José Silva, o Zezinho, companheiro que também estivera preso, trazendo-me notícias dos demais, que, segundo ele, se encontravam nas dependências do DOPS, em Goiânia. Foi claro em dizer que recebeu muita pressão para fazer acusações contra mim, Deputado Estadual do MDB e contra o ex-prefeito Henrique Santillo:

– Tudo gira sobre vocês dois. Estejam preparados, pois querem incriminá-los de qualquer forma.

Imediatamente comuniquei o fato ao amigo e advogado Vicente Alencar, quando elaboramos documento relatando o ocorrido, com objetivo de protocolar habeas corpus e carta ao Ministro do Exército. Fomos a Brasília logo em seguida, numa segunda-feira, impetrando habeas corpus junto ao Superior Tribunal Militar e Supremo Tribunal Federal. Sabíamos que não era competência daquelas duas Cortes de Justiça analisar pedido daquela natureza, mas queríamos mesmo que tomassem conhecimento do que estava acontecendo em Goiás, devidamente relatado na justificativa do pedido.

Com o mesmo teor, elaboramos uma carta para ser entregue ao Ministério do Exército, onde o Ministro Orlando Geisel, irmão do presidente eleito Ernesto Geisel, que seria empossado em alguns dias, substituindo Emilio Garrastazu Médici. Orlando Geisel, que havia sido muito importante para a articulação que levou seu irmão à Presidência da República, era tido como nossa esperança de que seria colocado um ponto final na mesquinharia que vinha sendo praticada em Goiás em nome dos militares no poder.

Chegando ao Ministério do Exército, uma grande quantidade de soldados guardava toda área do prédio, denunciando que alguma coisa estranha estava acontecendo ali, nos obrigando a conversar com o oficial responsável pelo pelotão de guarda. Esclarecemos que nossa intenção era protocolar ofício urgente ao Ministro do Exército, tendo ele nos indagado:

– É oficial ou particular?

– Particular, respondemos.

– Podem entrar.

Quando chegamos ao protocolo, não encontramos ninguém, mas fomos abordados por outro oficial, nos indagando o que queríamos. A mesma informação lhe passamos, que o objetivo era deixar documento para o Ministro.

– É oficial ou particular?

– Particular.

– Por favor, subam até o 8º andar, por aquele elevador.

Pegamos o elevador. Quando sua porta foi aberta pelo ascensorista, chegamos à sala onde estava reunido o Alto Comando do Exército, chefiado pelo Ministro Orlando Geisel. O militar Chefe de Gabinete nos interceptou, fazendo a indagação de costume, ao que respondemos:

– Queremos entregar correspondência importante ao Ministro.

– Particular ou oficial?

– Particular.

– Façam o favor, entreguem a correspondência pessoalmente ao Ministro.

Nós caminhamos em direção ao Ministro e estendemos-lhe a carta, informando tratar-se de correspondência particular do estado de Goiás.

Cumprimos a determinação e nos retiramos pelo mesmo elevador, que já nos esperava. Retornamos a Anápolis e ficamos sabendo que pouco antes da nossa chegada os companheiros presos haviam sido soltos.

Nenhuma outra agressão aos direitos dos companheiros foi praticada em Anápolis e o tão falado processo contra mim e contra o Henrique nunca apareceu. Vicente Alencar e eu nunca ficamos sabendo se a nossa resposta “particular”, que nos abriu as portas em dia de tensão em Brasília, nos levando ao contato direto com o Ministro do Exército, era alguma senha ou se foi coincidência. Certo é que os companheiros foram soltos horas depois de termos entregue a nossa carta denunciando as prisões arbitrárias em Anápolis.

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