sábado, 27 de fevereiro de 2010

Perseguições e Armadilhas

– Adhemar, durante o meu período na prefeitura, não pude desenvolver minhas atividades profissionais como gostaria, não posso ir para Brasília se for eleito Deputado Federal.

Meu irmão estava disposto a se candidatar a Deputado Estadual ou não seria candidato a qualquer outro cargo assim que encerrou seu mandato de prefeito em Anápolis.

Queria ter mais tempo para exercer a medicina.

Ao deixar a prefeitura em 1972, Henrique voltou a trabalhar como médico pediatra no Hospital Santa Paula, atendendo pelo INPS e em raros casos, a consultas particulares.

Com o credenciamento do INPS – Instituto Nacional de Previdência Social, cada médico tinha uma cota mensal de consultas. Cumprida esta cota o INPS não remunerava os atendimentos excedentes. A maioria dos médicos se limitava a atender o número de consultas remuneradas pelo INPS.

Henrique não admitia que crianças voltassem para casa sem serem consultadas. Todas as crianças, cujas mães ou responsáveis lhe procurassem, eram atendidas, ainda que ele soubesse que os procedimentos não seriam pagos pelo INPS, ao ultrapassar a cota fixada pelo instituto.

O meu irmão era assim. Era do seu caráter atender aos humildes, por amor e solidariedade às pessoas desprovidas de recursos materiais.

Por atender a todas as crianças que o procuravam, Henrique encaminhava para internação hospitalar um número maior de pacientes que os demais pediatras que atendiam apenas o limite da cota oficial. O que se tornou natural, pois muitas vezes seu atendimento ultrapassava o dobro do atendimento pago pelo INPS.

Nossos adversários políticos o denunciaram, solicitando seu descredenciamento, apresentando como alegação o fato de ele estar internando crianças sem necessidade. Fazendo um levantamento apenas de dados oficiais, sem levar em conta os atendimentos efetivamente realizados e não remunerados pelo instituto, apresentaram a comparação entre as internações solicitadas pelos demais médicos pediatras de Anápolis e as encaminhadas por Henrique.

O Instituto Nacional de Previdência Nacional o descredenciou, não levando em conta as dezenas de pessoas atendidas diariamente no seu consultório.

É claro que houve interferência política daqueles que queriam barrar a grande admiração que Henrique despertava em toda população.

Viveu momentos de privações e sofrimento.

Resistiu com a ajuda da comunidade que acreditava no seu trabalho profissional, continuando a atender crianças de famílias carentes, mesmo sem remuneração.

Teve o apoio da Associação Médica de Anápolis, cujos representantes foram à Brasília desfazendo, depois de algum tempo, a trama que foi usada para descredenciá-lo. Assim, foi reconduzido como credenciado pelo INPS.

– Adhemar, durante o meu período na prefeitura não pude desenvolver minhas atividades profissionais como gostaria, não posso ir para Brasília se for eleito Deputado Federal.

Meu irmão estava disposto a se candidatar a Deputado Estadual ou não seria candidato a outro cargo. Mas logo encontramos uma armadilha no caminho.

No período da ditadura militar, de 1964 a 1985, as leis excepcionais se sobrepunham ao arcabouço de toda Legislação Ordinária. O Ato Institucional nº 5, conhecido como AI-5, era, de todas as leis de exceção, a mais abrangente, pois com este Ato o Presidente da República estava acima da própria Constituição Federal, podendo cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, transformar eleições diretas em simples indicações pelas Assembléias Legislativas e até fechar o Congresso Nacional, como ocorreu em abril de l977.

Com base no AI-5, José Batista Jr., Prefeito de Anápolis, foi cassado e o município transformado em Área de Interesse à Segurança Nacional.

Com menor abrangência, a Lei de Segurança Nacional também intimidava os opositores ao regime militar. Havia ainda a Lei das Inelegibilidades, instrumento para ser usado pelo Judiciário, dando uma aparência de respeito ao estado democrático de direito.

Nas eleições gerais de 1970, quando Henrique era prefeito de Anápolis, foi reeleito Anapolino de Faria Deputado Federal e eu eleito Deputado Estadual. Alguns adversários no próprio MDB anapolino fizeram denúncia à Polícia Federal, acusando-nos de termos usado as máquinas da prefeitura de Anápolis nos municípios de Nerópolis, Goianápolis e Petrolina, em troca de votos.

Jesus Lisboa, delegado da Polícia Federal, ficou trinta dias em Anápolis ouvindo testemunhas de acusação e de defesa. Todas as audiências foram acompanhadas pelo advogado Vicente de Paula Alencar, integrante do Diretório Municipal do MDB. O aspecto fantasioso das denúncias e a total ausência de provas contribuíram para que o processo ficasse engavetado na Procuradoria de Justiça de Goiás.

Em 1974, Henrique ainda abalado com a cassação do mandato do Prefeito José Batista Jr., a transformação do Município de Anápolis em Área de Segurança Nacional e a suspensão mais uma vez da eleição direta para Governador, confidenciou-me que não disputaria para Deputado Federal por Anápolis, cuja cadeira ficou aberta com o firme propósito de Anapolino de Faria em não disputar mais um mandato. Seria um duro golpe para a nossa luta, pois a nossa visão era de ampliar as nossas forças em busca da redemocratização e do fortalecimento da estrutura emedebista.

Perguntei a Henrique por que não seria candidato a deputado federal, ele me respondeu:

– Adhemar, durante o meu período na Prefeitura não pude desenvolver minhas atividades profissionais como gostaria, não posso ir para Brasília.

– Henrique, e se eu me candidatar a Federal, você disputa para Assembléia Legislativa?

– Isso eu posso fazer. Posso ir à Goiânia e voltar todos os dias, continuando minha atividade médica.

Os companheiros eufóricos pela decisão que tomamos programavam encontros residenciais, concentrações e debates com estudantes, difundindo nossas candidaturas. Ao mesmo tempo, participávamos diariamente do programa “O povo falou, tá falado”, pela Rádio Santana.

Neste ambiente favorável, fui procurado pelo Dr. Decil de Sá Abreu, Promotor Público em Petrolina de Goiás, informando-me que recebera da Procuradoria de Justiça do Estado, processo da Polícia Federal de 1971, com denúncias contra mim e Henrique. Anapolino de Faria por não ser candidato fora excluído do processo. Decil de Sá, no entanto, garantiu-nos que não apresentaria a denúncia, mas que o processo viria para a Comarca de Anápolis com este objetivo, de nos denunciar.

A Lei de Inelegibilidade previa que para os crimes eleitorais, como procuravam nos enquadrar, o simples oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e o recebimento pelo Juiz, já nos tornariam inelegíveis. A armadilha já estava pronta. O Ministério Público de Anápolis apresentou a denúncia, ao contrário do Ministério Público de Petrolina, que através do Promotor Decil de Sá Abreu não encontrou elementos que pudessem nos incriminar.

O processo, que se aceito pelo juiz nos tornaria inelegíveis, foi enviado ao Judiciário, distribuído ao Juiz Clementino Alencar, Magistrado corajoso e justo que, por não ter encontrado nos autos qualquer indício que pudesse nos incriminar, determinou seu arquivamento.

Depois desta vitória judicial veio outra, a vitória eleitoral, Henrique eleito Deputado Estadual, o mais votado e eu Deputado Federal, o segundo mais votado da legenda MDB.

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