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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Duro duelo na política local

A cidade de Anápolis foi transformada em Área de Segurança Nacional em 1973 e teve como primeiro prefeito nomeado o engenheiro Irapuan Costa Júnior, que após poucos meses, sucedeu Leonino Caiado à frente do governo do estado.

Para a prefeitura de Anápolis, foi indicado o professor Eurípedes Junqueira, que havia concorrido ao último pleito municipal pela Arena. Sua permanência no cargo de prefeito foi até a posse do novo governador, Irapuan Costa Jr. que indicou para substituí-lo Jamel Cecílio, natural de Anápolis, grande empresário em Goiânia.

Ao assumir o cargo o prefeito nomeado Jamel Cecílio buscou adesão de figuras de destaque do MDB de Anápolis, formando uma chapa de candidatos a vereador bastante representativa. O nosso MDB, além de desfalcado dos nomes considerados mais fortes, teve que formar uma chapa com militantes tradicionais, pessoas simples, desprovidas de recursos financeiros.

Depois de aliciar e levar os “notáveis” para a Arena, Jamel Cecílio, procurou ampliar sua base de apoio acenando com nomeações em cargos comissionados aos nossos companheiros humildes e tradicionais do MDB. Contudo, mantivemos a maioria dos nossos companheiros ao nosso lado, porque nossa bandeira era ideológica, lutávamos pela restauração da democracia e o MDB era a única possibilidade.

Entre os bravos companheiros que resistiram aos acenos adesistas, estava Bertolino Santana, líder comunitário da região do bairro São José, um dos primeiros procurados. Integrante do diretório municipal do MDB, Bertolino representaria um trunfo para o partido governista, por ser um dos mais convictos santillistas. Nada fez com que Bertolino mudasse sua posição política, permanecendo ao lado do MDB, como também aconteceu com outros companheiros, entre eles Elias Abrão.

Companheiro leal e dedicado, Elias Abrão nunca quis se candidatar até que, em 1976, percebendo a necessidade do MDB, resolveu colocar seu nome na disputa para o legislativo municipal.

Se pelo MDB havia o candidato Elias Abrão, pela Arena, havia um outro Elias Abrão, médico renomado, ligado ao prefeito arenista. Embora não disputando nenhum mandato no pleito municipal de l976, esse parentesco levou o médico Elias Abrão a insistir para que o Elias do MDB fosse conversar com Jamel Cecílio. O prefeito estava empenhado em ampliar suas bases de apoio e a conquista de Elias Abrão seria grande vitória do seu projeto político.

– Xará, vou acompanhá-lo ao gabinete do prefeito. Ele precisa conversar com você, Jamel está curioso para conhecer o outro Elias Abrão.

Chegando lá encontraram Jamel solitário, olhando a paisagem da cidade pela vidraça da janela, aguardando a visita do Elias Abrão emedebista:

– Elias, muito prazer em te conhecer, seu primo tem me falado do seu valor, confirmado por outras pessoas. A cidade precisa de gente assim. Fique conosco, pois tenho um cargo comissionado para você na administração Municipal.

– Prefeito Jamel Cecílio, já tenho ajudado o povo sofrido de Anápolis com minha atuação política. Fico muito sensibilizado com seu convite, porém sou candidato a vereador pelo MDB. Nada tenho contra o senhor e seu partido, mas sim em favor da democracia e do povo brasileiro.

Foram palavras diretas e sinceras de Elias Abraão, do MDB, que mesmo sem recursos materiais foi um dos suplentes bem votados, com mais de 380 votos.

Esse período da vida política de Anápolis traz uma experiência muito interessante sobre o comportamento do eleitor.

Na eleição de 1972, em que foi eleito o prefeito José Batista Jr, depois cassado pelo AI-5 e o município transformado em Área de Segurança Nacional, o MDB elegeu dez dos quinze integrantes da Câmara Municipal. Os dois mais votados do MDB foram o Sargento Sebastião Maués, comandante do Tiro de Guerra - TG 53, com 1.860 votos e o segundo mais votado foi o radialista Almir Reis, com 1530 votos.

O eleitor se mostrou exigente e atento ao desempenho desses vereadores, que apesar de não deixarem o MDB, faziam parte da base de apoio do prefeito nomeado. Ao se recandidatarem pelo MDB, na eleição seguinte, em 1976, Sargento Maués teve 125 votos e Almir Reis 124, ambos não se reelegendo. Mesmo sendo pessoas de grande conceito na sociedade, não conseguiram explicar aos eleitores sua atuação política naquele momento histórico.

Carta a Orlando Geisel

– É oficial ou particular?

– Particular, respondemos.

– Podem entrar.

Foram várias vezes que este diálogo se deu. Estávamos, Vicente Alencar e eu, no Ministério do Exército para entregar uma carta ao Ministro sobre as prisões arbitrárias que aconteciam em Anápolis.

Depois de Henrique Santillo deixar a prefeitura, de José Batista Jr. ser cassado e a cidade de Anápolis ser transformada em Área de Segurança Nacional, sem direito de eleger o prefeito, uma ação arbitrária e violenta levou à prisão várias pessoas que haviam sido auxiliares de Henrique Santillo na Administração Municipal. Como acontecia na época, os órgãos de repressão não davam informações sobre o paradeiro dos companheiros presos, nem o motivo das prisões. Sabíamos que estavam confinados em alguma dependência de órgãos policiais em Goiânia. Não sabíamos se eram repartições públicas estaduais ou federais.

Decorridos dez dias de prisão arbitrária de companheiros como Jalme Fernandes, Valdivino Pereira, Bertolino Santana, Godofredo Sandoval Batista, Eles Nogueira e outros que estavam incomunicáveis, recebi a visita de José Silva, o Zezinho, companheiro que também estivera preso, trazendo-me notícias dos demais, que, segundo ele, se encontravam nas dependências do DOPS, em Goiânia. Foi claro em dizer que recebeu muita pressão para fazer acusações contra mim, Deputado Estadual do MDB e contra o ex-prefeito Henrique Santillo:

– Tudo gira sobre vocês dois. Estejam preparados, pois querem incriminá-los de qualquer forma.

Imediatamente comuniquei o fato ao amigo e advogado Vicente Alencar, quando elaboramos documento relatando o ocorrido, com objetivo de protocolar habeas corpus e carta ao Ministro do Exército. Fomos a Brasília logo em seguida, numa segunda-feira, impetrando habeas corpus junto ao Superior Tribunal Militar e Supremo Tribunal Federal. Sabíamos que não era competência daquelas duas Cortes de Justiça analisar pedido daquela natureza, mas queríamos mesmo que tomassem conhecimento do que estava acontecendo em Goiás, devidamente relatado na justificativa do pedido.

Com o mesmo teor, elaboramos uma carta para ser entregue ao Ministério do Exército, onde o Ministro Orlando Geisel, irmão do presidente eleito Ernesto Geisel, que seria empossado em alguns dias, substituindo Emilio Garrastazu Médici. Orlando Geisel, que havia sido muito importante para a articulação que levou seu irmão à Presidência da República, era tido como nossa esperança de que seria colocado um ponto final na mesquinharia que vinha sendo praticada em Goiás em nome dos militares no poder.

Chegando ao Ministério do Exército, uma grande quantidade de soldados guardava toda área do prédio, denunciando que alguma coisa estranha estava acontecendo ali, nos obrigando a conversar com o oficial responsável pelo pelotão de guarda. Esclarecemos que nossa intenção era protocolar ofício urgente ao Ministro do Exército, tendo ele nos indagado:

– É oficial ou particular?

– Particular, respondemos.

– Podem entrar.

Quando chegamos ao protocolo, não encontramos ninguém, mas fomos abordados por outro oficial, nos indagando o que queríamos. A mesma informação lhe passamos, que o objetivo era deixar documento para o Ministro.

– É oficial ou particular?

– Particular.

– Por favor, subam até o 8º andar, por aquele elevador.

Pegamos o elevador. Quando sua porta foi aberta pelo ascensorista, chegamos à sala onde estava reunido o Alto Comando do Exército, chefiado pelo Ministro Orlando Geisel. O militar Chefe de Gabinete nos interceptou, fazendo a indagação de costume, ao que respondemos:

– Queremos entregar correspondência importante ao Ministro.

– Particular ou oficial?

– Particular.

– Façam o favor, entreguem a correspondência pessoalmente ao Ministro.

Nós caminhamos em direção ao Ministro e estendemos-lhe a carta, informando tratar-se de correspondência particular do estado de Goiás.

Cumprimos a determinação e nos retiramos pelo mesmo elevador, que já nos esperava. Retornamos a Anápolis e ficamos sabendo que pouco antes da nossa chegada os companheiros presos haviam sido soltos.

Nenhuma outra agressão aos direitos dos companheiros foi praticada em Anápolis e o tão falado processo contra mim e contra o Henrique nunca apareceu. Vicente Alencar e eu nunca ficamos sabendo se a nossa resposta “particular”, que nos abriu as portas em dia de tensão em Brasília, nos levando ao contato direto com o Ministro do Exército, era alguma senha ou se foi coincidência. Certo é que os companheiros foram soltos horas depois de termos entregue a nossa carta denunciando as prisões arbitrárias em Anápolis.