domingo, 31 de outubro de 2010

A reunião que não era reunião

O conselheiro Milton Alves Ferreira, do Tribunal de Contas do Estado-TCE, foi político atuante e influente no MDB de Anápolis. Quando estudante secundarista, destacado líder do grêmio literário Castro Alves, no Colégio estadual José Ludovico. Desportista, exerceu a Secretaria da Liga Anapolina de Desportos. Vereador, vice-prefeito e deputado estadual. Chegou à presidência da Assembléia Legislativa, de onde saiu para o TCE, indicado pelo governador Henrique Santillo.

Fato curioso aconteceu em 28 de agosto de 1973: Milton era o vice-prefeito de Anápolis, quando cassaram o prefeito José Batista Júnior. Transformado o município em Área de Interesse à Segurança Nacional, prefeito passou a ser nomeado pelo presidente da República. Irapuan Costa Júnior, designado o primeiro prefeito nomeado. Decreto presidencial que cassou o mandato de José Batista e suspendeu por 10 anos seus direitos políticos não fez qualquer menção ao vice-prefeito Milton Alves. Não teve seu mandato cassado, nem os direitos políticos suspensos. Não lhe deram posse com a vacância do cargo. Ele também não questionou na justiça seu direito. Truculência praticada com base no AI-5 não era apreciada pela justiça. O AI-5 estava acima da Constituição Federal. Acima do AI-5, só o presidente da República, que possuia poder de aplicá-lo indiscriminadamente! Milton candidatou-se deputado estadual em 1974, elegendo-se ao lado de Henrique Santillo.

O Movimento Democrático Brasileiro era constituído de militantes destemidos. Na Vila Jaiara, a principal referência era José Luis Có, Zé Maneco. Amigo fiel, corajoso e participativo. Quando em 1966, o juiz eleitoral de Anápolis deixou de diplomar o vereador Henrique Santillo, o mais votado naquele pleito com 1.536 sufrágios, sob a alegação de que era fichado como comunista na G-2 da Polícia Militar de Minas Gerais. Zé Maneco não o deixou sem companhia um minuto sequer. Só se afastou quando Henrique foi diplomado e empossado.

Milton Alves era muito ligado ao Zé Maneco. Morador na Vila Jaiara, mas com amigos por toda cidade. Cearense, conhecia toda colônia nordestina de Anápolis. Organizava as reuniões domiciliares e setoriais. Eram reuniões geralmente com pouca gente. Reuniões de líderes convictos em favor da redemocratização do Brasil. Participantes levavam para sua comunidade os ensinamentos que lhes passávamos. Graças a isso estávamos em todos os setores da cidade. Com as reuniões, o partido estava vivo e ativo. Companheiros sabiam que tinhámos argumentos sólidos contra a ditadura. Milton Alves era um dos baluartes dessa luta. Não tinha preguiça. A qualquer hora e para qualquer reunião que fosse convocado fazia questão de comparecer.

Reunião marcada para o bairro João Luiz de Oliveiro, o candidato a deputado estadual Milton Alves solicitou ao amigo José Maneco que fosse conversar com os companheiros até que chegasse. Naquele mesmo dia participaria de comício em Nerópolis. Chegaria à reunião um poucoo mais tarde.

À tarde, quando Milton já estava em Nerópolis, faleceu um vizinho do proprietário da casa onde a reunião aconteceria. Organizadores do encontro acharam prudente suspendê-la. Não havia telefone celular para que Milton fosse avisado. À noite, Zé Maneco misturou-se com a pequena multidão que participava do velório. Esperava o candidato e amigo.

Milton Alves ao chegar, vendo aquela quantidade de gente do lado de fora da casa, não sabendo tratar-se de velório, ficou eufórico. Nunca tinha participado de reunião tão numerosa. Antes mesmo que seu motorista estacionasse o carro, desceu tropeçando, quase caindo, e foi ao encontro de Zé Maneco:

- Ei, Zé Maneco! Isso que é liderança! Isso aqui não é reunião! Isso é um comício!

Muito discreto, Zé o arrastou para um canto, cochichou alguma coisa ao seu ouvido. Em seguida foram para o interior da casa, onde o corpo era velado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário