segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Luta Marcante

No período em que estivemos submetidos aos rigores e prepotência do regime ditatorial imposto pelo golpe militar de 1964, principalmente na década de 70, a fidelidade partidária dos emedebistas era coisa obrigatória, natural. Deixar o Movimento Democrático Brasileiro, aderir à Arena, quase sempre levava o adesista á derrota na eleição seguinte. Principalmente nas cidades do interior, os emedebistas nem sequer tomavam café em lanchonetes freqüentadas por arenistas. Radicalismo espontâneo. Posicionamento imutável. Os detentores de mandatos pelo MDB ou aceitavam as regras estabelecidas pelos companheiros interioranos ou perdiam o apoio.

Nas eleições de 1970 para a Assembléia Legislativa, foram eleitos 12 deputados pela legenda do MDB. Iniciados os trabalhos, Clarismar Fernandes aderiu à Arena. Os onze que restaram decidiram se retirar do plenário todas as vezes que Clarismar assomasse a tribuna. Com o passar do tempo esse comportamento da bancada passou a ser compulsório. Ele começava o discurso os emedebistas iam para o cafézinho.

Habituado a essa convivência partidária sem concessões, fui eleito deputado federal. Ao chegar ao Congresso Nacioanl notei que o relacionamento entre integrantes dos dois partidos era de harmonia completa. Realizávamos encontro sociais em nossos apartamentos, quando compareciam os emedebistas e arenistas que representavam Goiás. Muitas vezes ficava bom tempo conversando com o senador Benedito Ferreira, o Benedito Boa Sorte e deputado Rezende Monteiro, ouvindo as hitstórias de fatos pitorescos acontecidos na política goiana. Ambos extrovertidos e ótimos contadores de causos. Ao nos despedirmos, Rezende, sem maior protocolo, me dava seu infalível beliscão na barriga. Gustavo Capanema, Plínio Salgado, José Bonifácio, Magalhães Pinto e Wilmar Guimarães, alguns dos experientes integrantes da bancada da Arena, afirmavam com grande convicção, que Rezende Monteiro era deputado desde o tempo em que federal se escrevia com "ph", deputado phederal. Gozação, é claro. Nem esse cordialidade nacional me autorizava modificar os costumes dos companheiros do interior.

Em Anápolis, cidade goiana mais resistente à ditadura, fazíamos a mobilização popular através dos encontros domiciliares. Durante o ano inteiro, em época de eleição ou não. Passávamos de 2ª a 6ª em Brasília e aproveitávamos os finais de semana para as reuniões políticas em Anápolis e no interior. Quando em 1973, cassaram nosso prefeito José Batista Júnior (MDB) e transformaram o município em Área de Segurança Nacional, tirando dos anapolinos o direito de escolherem pelo voto o seu prefeito, nossa luta foi mais intensa. Aí fazíamos três ou até quatro reuniões por noite.

Numa dessas ocasiões fui convidado para realizar, no mesmo horário, uma reunião no Bairro Jardim Gonçalves, casa do Anfilófio e outra no Bairro São Lourenço, casa de dona Benedita. Como não poderia estar nas duas ao mesmo tempo, solicitei a José Escobar, nosso fiel companheiro, que fosse à casa de dona Benedita enquanto eu falaria aos amigos do Anfilófio. Assim que encerrasse minha participação iria dar o encerramento ao encontro comandado pelo Escobar.

Ao chegar à residência de dona Benedita, encontrei todos de olhos fixos na televisão assistindo a novela das 20 horas, da Globo. Inclusive Escobar que dizia não gostar de novela. Cheguei, eles foram logo desligando a tv, enquanto dava início ao debate. Só alguns minutos depois fiquei sabendo que o Escobar não havia conversado com o pessoal. Assitira o Jornal Nacional e calma e pacientemente estava assistindo a novela. Encerrada a reunião o chamei separadamente:

- Escobar, lhe peço para conversar com o pessoal até que eu chegasse, e você fica assistindo televisão?

Prontamente me esclareceu:

- Ao chegar, fui logo dizendo: "Bem, gente!" Imediatamente aquele senhor que está sentado ali na frente, fumando cigarro de palha, pôs o indicador da mão direita sobre os lábios e disse: "Psssiu, Jornal Nacional!" Depois disso, não tive coragem de cortar nem propaganda de Coca-Cola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário