domingo, 20 de junho de 2010

Calango cantou e dançou

Publicado na edição de 20/06/2010 do jornal Diário da Manhã

No início dos anos 60 chegaram a Anápolis alguns atletas vindos do interior de Minas, para reforçarem, principalmente Anápolis e Anapolina. Um rapaz louro, bem franzino, logo caiu na graça da torcida rubra. Seu nome oficial ninguém sabia, mas seu apelido ecoava por todos os recantos da cidade: Calango!

Como o Brasil havia conquistado o primeiro campeonato mundial na Suécia (1958) e Garrincha, com seus dribles desconcertantes, era a maior sensação dos que apreciavam o futebol-arte.Calango, em pleno Estádio Manoel Demostenes, o lembrava com suas paradas rápidas e gingadas de corpo. Os torcedores da xata iam à loucura, quando o moço de Uberlândia , dava aquela freada repentina no campo de chão batido, gingando corpo sem sair do lugar, geralmente desequilibrando o marcador que caia sentado ao solo. Seus dribles e pedaladas valiam aos torcedores rubros, principalmente se fosse num jogo contra o Anápolis, mais que uma expressiva vitória.

Sua maneira alegre de jogar conquistou a simpatia unânime dos torcedores da Anapolina. Os adversários também se divertiam, quando não era o time deles que passava pelo vexame, é claro! Em pouco tempo Calango virou a principal sensação no futebol de Anápolis. Mesmo os que não gostavam de futebol começaram a frequentar os jogos, em que ele estivesse presente.

Nessa mesma época trabalhava como cronista esportivo na Rádio Santana de Anápolis. Pequena emissora AM, de 250 watts, mas muito ouvida na cidade. Nossa cabine de transmissão era à base de madeira e fórmica, construída no início de 1962, ano de Copa do Mundo, no Chile. Aproveitando o espírito patriótico dos brasileiros que já pensavam no bi-campeonato, a pintamos de verde-amarelo.

Num jogo entre Anapolina e Ypiranga resolvemos inovar. Microfone com cabo longo instalado na aparelhagem da cabine, ia até a lateral do campo, colocava o repórter de pista mais próximo dos jogadores. Nosso repórter era o saudoso Antônio Abrão Isaac, o Toníco. Excelente advogado. Lecionou por muitos anos na Faculdade de Direito da UniEvangélica. Foi secretário municipal quando exerci o cargo de prefeito entre 1997/2000.

Pelo comprimento do fio do microfone, toda vez que acionávamos o repórter de pista era aquele zunido que incomodava todos nós da cabine de transmissão. Os ouvintes tanto reclamaram da qualidade do som, que nossa inovação não passou daquele domingo. Nos jogos seguintes o repórter de pista ficou na cabine mesmo, ao nosso lado.

Quando Anapolina e Ypiranga entraram em campo, Antônio Isaac, mais que depressa fez um aceno para Calango, o craque sensação. Muito solícito veio até a lateral do campo. No momento chovia fino. Essa condição climática obrigou Toníco usar galochas e capa de nylon. Estava totalmente protegido da chuva e outros possíveis imprevistos. Floreou, encheu a bola, descrevendo a mestria de Calango. Por fim fez a pergunta:

– Em quem você se inspirou para driblar com tanta perfeição ?

Ao pegar o microfone, Calango passou a pular baixinho, gritando:

– Ai, ai, ai, ta, ta, ta...

Como não parava de sapatear com seu ai, ai, ta, ta, ta, interminável, o repórter tirou-lhe o microfone, sapecando:

– Gente, além de tudo Calango é dançarino e cantor!

Recobrando a respiração, o craque se distanciando, do Toníco Isaac, desabafou:

– Que dança coisa nenhuma! Tomei foi choque nessa espelunca...

Empacotado e bem isolado , o repórter não notara que o microfone estava dando choque.

Nenhum comentário:

Postar um comentário