Quando criança em Anápolis, até por falta de outras opções de lazer, o que mexia com a adrenalina da meninada era visitar ou tomar banho na represa dos Fanstone, na saída para Nerópolis. Parte mais larga e profunda do Antas, principal córrego que corta o setor central da cidade, com suas águas cristalinas e caudalosas tornava-se atração irresistível. De nada valiam as admoestações dos pais ou a bronca dos administradores da chácara. Conseguíamos com muita criatividade vencer os empecilhos. Nosso medo, verdadeiro temor, sempre foi de ser retirado da represa sem roupa, pelo Cazuza. Inspetor de criança e adolescente, designado pelo juiz da Comarca, cumpria com rigidez suas atribuições. Levava o infrator à sala do juiz para ser advertido. O herói das crianças e adolescentes à época, o menino Bengala, garoto destemido e gozador, tinha como principal passatempo desafiar Cazuza. Fazia a alegria dos que não tinham a mesma coragem e disposição. Esse temor da garotada a Cazuza, nasceu com a história, verdadeira lenda que corria entre a garotada, garantindo que ele levara um menino, totalmente nu, apreendido na represa, ao gabinete do juiz.
Com o passar do tempo, por estar situada em local estratégico no Município, a represa se transformou no primeiro reservatório para captação e distribuição de água tratada em Anápolis. O serviço municipalizado realizado pela Superintendência Municipal de Saneamento – Sumsan, funcionou até 1972, quando o serviço foi transferido à Saneago, por imposição do governo federal. Com a chegada do progresso, locais cobertos por Cerrado e pequenas reservas de mata nativa, cederam lugar à expansão urbana. Foi retirada toda vegetação. Loteamentos como Nações Unidas, São Joaquim, Parque das Primaveras, Novo Paraíso, Paraíso, Calixtolândia e Polo Centro I e II, os mais antigos próximos à nascente do Antas, assorearam o leito do córrego, levando cascalho, terra, lixo e entulho à represa. Em pouco tempo, a reserva caudalosa de águas cristalinas, ornamentada pelas aves multicoloridas, desde a brejeira saracura aos sofisticados curiós e bicudos, com suas infindáveis e afinadas sinfonias, desapareceu. Surgiu um depósito de lama fétida num pântano colossal. Degradação total da maior riqueza natural do município. Córrego que saciou a sede de tropas e tropeiros que abrigavam às suas margens, para descanso nas incontáveis viagens que faziam de Jaraguá e Pirenópolis, rumo a Bonfim, hoje Silvânia.
Como prefeito da cidade, assistindo na memória o que o tempo não apagou, reprise do DVD das imagens bonitas da infância, decidi recuperar a área degradada. Adquiri mais de 90 mil metros quadrados em toda extensão da antiga represa. Milhares de toneladas de lama podre retiradas, até que ganhasse sua forma original. Através do escultor Laerte Gariboti, responsável pelas principais esculturas particulares e públicas da cidade de Caldas Novas, um conjunto dessa obra de arte foi construído no local. Cascatas, cavernas e até uma ilha no centro do lago. Portal de entrada do parque é uma verdadeira obra de arte. A lagoa recebeu peixes próprios da região. Pista para passeio de pedestres, ciclistas e um trenzinho que levava as crianças nas visitas, sempre acompanhadas de guia, narrando a história do Antas e necessidade de se preservar a natureza. As escolas públicas e particulares, de Anápolis e municípios vizinhos, faziam programação antecipada de visitação ao parque. Árvores centenárias preservadas. Havia parque infantil e prédio que abrigava a Polícia Interativa. Para evitar assoreamento do lago principal, construímos aterro com passagem para os pedestres de uma margem à outra. Demos à obra o nome do empresário e político Onofre Quinan.
Hoje, o Central Parque Onofre Quinan, “cartão-postal” de Anápolis. Local de visitação e orgulho dos anapolinos, é apenas uma caricatura do que foi. A represa voltou a ser assoreada por terra e cascalho lançados ao leito do córrego, principalmente pelas obras da Ferrovia Norte-Sul. As cascatas secaram, as flores desapareceram, o trenzinho virou fumaça, sua escuridão noturna é paraíso de desocupados e usuários de drogas, as pistas deterioraram, os peixes morreram, os macacos famintos foram transferidos do local por agredirem os visitantes. Até o busto do homenageado Onofre Quinan foi roubado. É o descaso total com uma das partes mais importantes e bonitas da história de Anápolis.
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