sábado, 15 de janeiro de 2011

Dom Manoel Pestana Filho Cumpriu Sua Missão

Lembro-me do dia em que o bispo Manoel Pestana Filho foi apresentado aos católicos e a toda sociedade anapolina, em substituição a dom Epaminondas de Araújo. Estava implantada a diocese de Anápolis e seu primeiro bispo, dom Epaminondas, seguia para a Paraíba, dando seqüência ao seu trabalho pastoral. Num palanque montado à frente da Igreja do Bom Jesus, o povo, tomando conta da praça na Avenida Goiás, emocionado, se despedia, carinhosamente, do bispo que saía e vibrava com o novo que chegava. Ruas enfeitadas, banda de música, coral cantando músicas sacras e muitos discursos de boas vindas. Eu estava lá.

Transcorria o ano de 1979. Exercia meu segundo mandato como deputado federal. Fazia parte da bancada do MDB. Um dos representantes do meu partido em Santos, Athiê Jorge Cury, presidente do Santos Futebol Clube, estava presente às festividades. Dele recebi as melhores referências sobre o novo anapolino que chegava. Por ser amigo de dom Manoel Pestana Filho e toda sua família, fez questão de saudar o padre, seu amigo, agora sagrado bispo. Dom Manoel foi o segundo bispo da diocese e só se afastou das funções depois de 25 anos de bispado. Afastou-se cedendo o lugar a com João Wilk, mas continuou residindo em Anápolis como bispo Emérito. Grande expoente da ala conservadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mesmo assim, foi sempre discreto nas suas ações políticas partidárias. Defensor intrasigente da vida, da família e seus valores morais e das liberdades democráticas. Pró-Vida foi idealizado e criado por ele para, principalmente, combater o aborto. Quando se debatia na Câmara dos Deputados a descriminalização do aborto, o grupo de Anápolis, liderado por dom Manoel Pestana, por meio do padre Lodi, teve papel de destaque na vanguarda anti-aborto. Em muitas ocasiões teve mais destaque nos noticiários nacionais e internacionais que os próprios parlamentares. Ficou famosa aquela cena em que padre Lodi discursava com um garotinho ao seu lado, fruto da violência sexual de um estuprador contra a mãe do garoto:

"Nesse caso, se a lei tivesse sido usada não teríamos essa criança saudável e inteligente aqui"- diziam os integrantes do Pró-Vida. Dom Manoel Pestana Filho não fazia concessão.

Como deputado, secretário da Educação ou prefeito, sempre tive boa convivência com ele. Pequena divergência ocorreu quando montamos em Anápolis o mais avançado programa de saúde da mulher, por meio do Centro Integrado da Mulher - CIM. Além de cuidar da prevenção ao câncer de mama e do cólo do útero, o CIM assistia às mulheres no seu planejamento familiar, oferecia várias modalidades de anticonceptivos e métodos aprovados pela classe médica, Anvisa e recomendados pelo Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde. Dentre eles o Dispositivo Intra Uterino - DIU.

Contra sua utilização no planejamento familiar, padre Lodi se insurgiu. Ganhou dimensão extraordinária e incontrolável, pondo em rsico todo o serviço prestado pelo Centro Integrado da Mulher. Especialistas em saúde da mulher, como José Aristodemos Pinotti, Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde, faziam as melhores referências e avaliações do programa. Sua extinção lançaria ao abandono e risco a vida de milhares de mulheres, principalmente de baixa renda, que dependiam dos serviços de saúde prestados pelo CIM.

Fomos, Onaide e eu, conversar com dom Manoel Pestana. Tomamos do seu café. Nos ouviu atentamente. Ao final, lhe perguntei:

- Dom Manoel, o senhor quer que a prefeitura desative o CIM?

- Não! Ele presta relevante serviço social em favor da saúde da mulher.

- Por que então essa campanha de combate sistemático aos serviços prestados por ele? O senhor é contra o planejamento familiar?

- Adhemar, somos contra o DIU, ele é abortivo! Você está aí de terno, muito bem trajado. Se ao tomar café deixar que caia no seu paletó, ninguém vai prestar atenção na elegância da sua roupa. Todos prestarão atenção na mancha deixada pelo café.

Dom Manoel Pestana Filho já tinha feito seu juízo de valor. Para ele o DIU era abortivo e tinha de ser combatido. Para não extinguir um programa de grande alcance social, programa qie já havia detectado precocemente câncer em centenas de mulheres que foram curadas pelos serviços prestados pelo CIM, enviei um projeto de lei à Câmara Municipal excluindo o DIU dos métodos de anticonceptionais fornecidos pela rede de saúde pública municipal.

Quando concorri, e não venci, a eleição de 2000 para a prefeitura de Anápolis, recebi correspondência de dom Manoel, timbrada com sinete da diocese, me parabenizando pelo trabalho realizado em favor do município, lamentando o insucesso na disputa.

Dia 8 de janeiro, no seio da sua família em Santos, dom Manoel nos deixou desta para outra morada. Tão concorrida quanto sua chegada, foi sua despedida, dia 10, na Igreja do Bom Jesus. Diferença que quando chegou a comunidade católica o saudava alegre e eufórica. Debaixo de sol escaldante, ele silenciosamente enxugava o suor que descia do rosto se misturando às lágrimas que derramava. Na sua partida, os fiéis, com soluço engasgado na garganta, derramavam lágrimas de dor e saudade. Ele, ao contrário, mostrava no semblante serenidade e alegria por estar indo ao encontro do Pai.

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